quarta-feira, 6 de abril de 2011

" Classificação Poéticas - com Roseana Murray.''

O gênero poeisa pode assumir muitas facetas e abrigar outros gêneros. É assim que ocorrem os gêneros híbridos. Como é interessante apresentá-los aos alunos! Alguns textos para o trabalho sobre gêneros e tipos textuais:


Em seu livro "Classificados Poéticos" Roseana Murray faz alguns anúncios poéticos, leia as poesias e veja as ofertas.

Colecionador


Colecionadorde cheiros troca
um cheiro de cidade
por um cheiro de neblina
um cheiro de gasolina
por um cheiro de chuva fina
um cheiro de cimento
por um cheiro de orvalho no vento.

Equilibrista

Procura-se um equilibrista
que saiba caminhar na linha
que divide a noite do diaq
ue saiba carregar nas mãos
um fino pote cheio de fantasia
que saiba escalar nuvens arredias
que saiba construir ilhas de poesia
na vida simples de todo o dia.

                      Agora é a sua vez.

O que você teria para trocar? O que está procurando? Faça seus anúncios!

Troca-se!
Troco uma bicicleta por ________
Troco um pássaro na gaiola por _________
Troco um gato manhoso por____________
Troco__________ por uma festa animada.
Troco __________ por um prato de batatas fritas.
Troco__________ por ______________
Troco __________por ______________

Procura-se!
Procuro um vizinho que _____________
Procuro uma cozinheira que ______________
Procuro um amigo que ______________
Procuro ___________que _____________
Procuro ___________que _____________

Veja só as paródias desses alunos usando os textos da Roseana Murray como modelo:

          Classificados Poéticos

Vende-se um apartamento encantado,
No centro daquela cidade
Tem dois lindos sabões
Para pessoas de qualquer idade.

Tem uma bela lareira,
No canto da sala
Para você se esquentar
Em dias de geada.

Se você tiver interessado
Venha logo para cá,
Não demore, meu amigo
Pois sem apartamento vai ficar.
                

Classificados Poéticos


Vende–se uma taça encantada
Cheia de alegria
Que para quem está
Precisando é uma ótima
Companhia.

Vende-se um coração velho
Mas que um dia já foi jovem,
Alegre feliz contente e com
Muito talento
Quem quiser verá que
Ainda existe muito conhecimento

Precisa-se de uma criança
Inocente, que mostre ao
Mundo o caminho da
Felicidade, paz, e da verdade
E que ilumine a todos
Com sua inocência fazendo- nos
Por a mão na consciência.


Classificados Poéticos


Classificados Poéticos

Exaltasamba

Não existem mais palavras

Que eu possa escrever
Pra falar de tanto amor
Entenda por favor
Que uma carta é muito pouco
Para revelar o retrato da tristeza
E a cicatriz da saudade
Que você deixou no meu peito
Tatuagem de amor, não tem jeito
Nunca vai sair de mim esta dor
Entenda o que eu vou te dizer
(Dois pontos)
Vem de volta pro meu coração
(Exclamação)
Não posso viver sem você
Não tenho razão nem porquê
Me acostumar com a saudade
Nem vírgula vai separar
Nessa oração
Teu nome da minha paixão
Não leve a mal
Eu sei que não sou escritor
É só uma carta de amor
De alguém que te quer de verdade

A carta


 INGREDIENTES:
- Papel
- Caneta
- Palavras
- Tempero
- Tempo
- Espaço
- Flores
- Aquele Momento

MODO DE PREPARO:


Faça uma viagem para dentro de si mesmo.
Procure no âmago de seu ser, um espaço para uma experiência extraordinária.
Acredite nesse espaço. Seja esse espaço! Mergulhe na imensidão do infinito que o seu corpo é. Chegou? Pois bem, esse lugar chama-se: Eterno Vazio de Lugar Nenhum. É de lá que surge tudo aquilo que essencialmente é, matéria prima de poesia.

Misture todos os ingredientes numa folha de papel em branco, esquecida no fundo de uma gaveta velha, desgastada com o tempo; tempo de poesia.

O tempo no qual o próprio tempo não se inscreve; O tempo no qual o próprio tempo não inscrito se encontra. É o tempo de tempo nenhum. É todo o tempo.

E nesse instante você encontra-se em pleno estado de devaneio poético, enquanto a massa se constrói sobre o papel empedernido de memórias, em códigos e palavras. Palavras que não são apenas palavras; Palavras que são temperos e que são o tempo todo, tudo aquilo que ainda não é, e o que as próprias palavras não conseguem significar. Tempo que se constrói no tempo nenhum, no vazio do tempo. O vazio que não é o nada, pois o nada em si não existe, e por e assim o é. O nada é no não existir.

Como uma massa de rabiscos; Uma massa de rabiscos acrescida de temperos e palavras.

Agora deixe essa massa descansar em banho-maria com flores.

Pegue lírios, orquídeas e camélias. Pegue também jasmins. As flores darão o aroma essencial à poesia e exalarão através desse aroma a beleza de doces melodias que lembrarão cânticos de pequenos pássaros no amanhecer de uma primavera exuberante. Assim, a massa já estará pronta para ir ao forno, e penetrar nas entranhas encobertas pela própria pele.

A poesia estará pronta no tempo em que o seu tempo determinar. Não é mais nem menos, é o seu tempo. É o tempo de sua poesia.

Quanto à caneta...Esqueça-a. Não há receita que seja completa sem o toque da singularidade; não há canetas no universo que possam registrar o valor da verdadeira poesia, porque a verdadeira poesia está sempre se rabiscando no Eterno Vazio de Lugar Nenhum, sob o cântico dos pássaros, à luz de sua sensibilidade, no calor de seu peito. A essência da poesia não se permite escrever. Não existe receita!

A verdadeira poesia não tem que ser nada, nem em palavras, nem em rabiscos, pois ela simplesmente é; a verdadeira poesia não pode ser significada pela metafisica das palavras, nem pela vaidade dos códigos. Ela deve ser como a massa ainda crua do pão, que pode ser sempre transformada, conforme o tempo, conforme a música, conforme a insensatez virtuosa do ser, ou como uma folha de papel em branco, esquecida no fundo de uma gaveta velha, sem cor, sem palavras, sem nada, sempre em constante estado de Poesia.

A verdadeira poesia deve ser degustada quentinha e apreciada com a verdade da alma. Sempre que precisar, busque sempre uma receita nova no íntimo de sua sabedoria, no seu coração, uma reserva infinita de poesias que alimenta nossas vidas



Receita que o poetinha dedicou a Helena Sangirardi , autora de livros de culinária .Publicado na revista MANCHETE .

Amiga Helena Sangirardi,
Conforme um dia eu prometi
Onde, confesso que esqueci,
E embora _ perdoe_ tão tarde.
(Melhor que nunca!) este poeta,
Segundo manda a boa ética,
Envia-lhe a receita (poética)
De sua feijoada completa.
Em atenção ao adiantado
Da hora em que abrimos o olho,
O feijão deve , já catado,
Nos esperar, feliz, de molho.
E a cozinheira, por respeito
À nossa mestria na arte,
Já deve ter tacado peito,
E preparado e posto à parte
Os elementos componentes
De um saboroso refogado
Tais: cebolas, tomates, dentes
De alho _ e o que mais for azado.
Tudo picado desde cedo,
De feição a sempre evitar
Qualquer contato mais … vulgar
Às nossas mãos de aedo
Enquanto nós, a dar uns toques
No que não nos seja a contento,
Vigiaremos o cozimento
Tomando o nosso uisque on the rocks.
E_atenção!_ segredo modesto,
Mas meu, no tocante à feijoada:
Uma lingua fresca, pelada,
Posta a cozer com todo o resto.
Feito o que, retira-se caroço
Bastante, que bem amassado
Junta-se ao belo refogado,
De modo a ter-se um molho grosso
Que vai de volta ao caldeirão,
No qual o poeta , em bom agouro,
Deve esparzir folhas de louro
Com gesto clássico e pagão.
Inútil dizer que, entrementes,
Em chama à parte dessa liça
Devem fritar todos contentes,
Lindas rodelas de linguiça.
Uma vez cozido o feijão
(Umas quatro horas, fogo médio),
Nós bocejando o nosso tédio,
Nos chegaremos ao fogão.
E em elegante curvatura:
Um pé adiante e o braço às costas,
Provaremos a rica negrura,
Por onde devem boiar postas
De carne-seca suculenta
Gordos paios, nédio toucinho,
(Nunca orelhas de bacorinho
Que a tornam em excesso opulenta!)
Enquanto ao lado, em fogo brando
Dismilinguindo-se de gozo,
Deve também se estar fritando
O torresminho delicioso.
Em cuja gordura, de resto,
(Melhor gordura nunca houve!)
Deve depois frigir a couve picada, em fogo alegre e presto.
Uma farofa? _ tem seus dias…
Porém que seja na manteiga!
A laranja, gelada, em fatias,
(Seleta ou da Bahia) _ e chega.
Só na última cozedura,
Para levar à mesa, deixa-se
Cair um pouco da gordura
Da linguiça na iguaria _ e mexa-se
Que prazer um corpo pede
Após ter comido um tal feijão?
_Evidentemente uma rede
E um gato para passar a mão…
Dever cumprido. Nunca é vã
A palavra de um poeta…_jamais!
Abraça-a em Brillat-Savarin
O seu Vinicius de Moraes.
Legião Urbana

Escrevo-te estas mal traçadas linhas meu amor

Porque veio a saudade visitar meu coração
Espero que desculpes os meus erros por favor
Nas frases desta carta que é uma prova de afeição
Talvez tu não a leias mas quem sabe até dará
Resposta imediata me chamando de "Meu Bem"
Porém o que me importa é confessar-te uma vez mais
Não sei amar na vida mais ninguém
Tanto tempo faz, que li no teu olhar
A vida cor-de-rosa que eu sonhava
E guardo a impressão de que já vi passar
Um ano sem te ver, um ano sem te amar
Ao me apaixonar por ti não reparei
Que tu tivesses só entusiasmo
E para terminar, amor assinarei
Do sempre, sempre teu...
Tanto tempo faz, que li no teu olhar
A vida cor-de-rosa que eu sonhava
E guardo a impressão de que já vi passar
Um ano sem te ver, um ano sem te amar
Ao me apaixonar por ti não reparei
Que tu tivesses só entusiasmo
E para terminar, amor assinarei
Do sempre, sempre teu...
Poesia - notícia

Já a noite caiu do céu e a Ásia
vista do universo
é um continente imerso no escuro
a África aguarda que o planeta role
para se vestir também de negro
e depois a Europa
mais tarde a América sem o sol
para sair da noite
consome as próprias luzes
e alguém
morre de fome
de 3,6 em 3,6
segundos.


Receita de poesia


Vende-se uma chácara encantada na beira de um lago
Tem duas áreas de lazer nas quais tem churrasqueiras e piscinas.
Até parece um reino Encantado.
Há! Uma trilha que é uma beleza
Onde você poderá conhecer os encantos da natureza.

Precisa-se de atletas para a taça La Salle
Que sejam alegres e dispostos, isso tudo vale.
O prêmio será um troféu em forma de véu.
E a torcida em coro cantava: Vale! Vale! La Salle!

Precisa-se de 11 jogadores
Para formar um time de futebol
Todos são trabalhadores
E também gostam de jogar handbol.

Vendem-se duas plantas encantadas
Com um jardim muito bonito
As mulheres ficam impressionadas
E os homens dando risada.

Procuram-se meninos e meninas
Para fazer várias equipes
Os meninos jogam com azul
E as meninas com rosa -pinque

A Carta


Troco uma Belina vermelha
Por um jegue cor de ovelha
Quero que ele me leve para o infinito
E que galope a Deus dará
Pois já me cansei deste engarrafamento.

Compra-se um fusca importado.
Vende-se um carro roubado,
Fazemos todos os tipos de negócio.
Cada venda um novo sócio.
E cada sócio, um novo problema.
Tem bicicleta de todas as cores também
Vendemos flores.
Alecrim, rosas, violeta.
E também temos flores pretas.

Vende-se uma casa de dois pisos que o
Chão é todo liso e leva junto de brinde
Um grupo de amigos.

Vende-se na loja do tio João arroz, feijão,
Batata e macarrão, mas ele também troca
Tudo isso por um grande e belo avião.

Troco um boi pintado
Por um burro peçonhento
Um burro que seja lento
Mas que seja orientado
E que no seu trote
Não me quebre o cangote...

"Tipos Textuais critérios internos linguísticas."

   Como eu já escrevi antes sobre os tipos e gêneros textuais, hoje só vou me ater a breves explanações antes de expor meus textos escolhidos para a atividade dos poemas enlatados.
Os tipos textuais fundam-se em critérios internos linguísticos e formais, têm previsão na escolha do léxico, base na estruturação linguística, número restrito e são estáticos. São estes:
.
-narração - sequência de fatos
-descrição - sequência de localização
- exposição - sequências analíticas
- argumentação - sequências contrastivas explícitas
- injunção - sequências imperativas
.
Os gêneros fundam-se em critérios externos sócio-comunicativos e discursivos, são orientados para um fim específico, têm formato estável, histórico e número bastante amplo. São alguns dos principais exemplos:
.
carta pessoal, bilhete, receitas culinárias, bulas de medicamentos, lista telefônica, piada, lista de compras, e-mail, horóscopo, história em quadrinhos, manual de instrução, poemas, prefácio, classificados, notícias, intimação, boletim de ocorrência, atas, relatórios, dicionários, entrevistas...
.
     Meus poemas enlatados:
.
.
     Amor Bastante
.
quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
um bom poema leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
(Paulo Leminski)
.
.
.
.
                                                             "PRECISA-SE"
.Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilarecerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.
                                                                                                                            (Clarice Lispector)
.
.
                                  Presença
.
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o ventodas horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.
                                     (Mario Quintana)
.
.
            O teu riso
.
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por verque a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros soltao teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosada minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
(Pablo Neruda)
.
.
                           Ausência
.
Eu deixarei que morra em mim o desejo
de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa
de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa
como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque
em meu ser está tudo terminado.
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como uma nódoa do passado.
Eu deixarei ... tu irás e encostarás
a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei a minha face
na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos
da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.
Eu ficarei sócomo os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém
porque poderei partir
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.
                                          (Vinicius de Moraes)
.
.
                 Reconhecimento do Amor
.
...Levou tempo, eu sei, para que o Eu renunciasse
à vacuidade de persistir, fixo e solar,
E se confessasse jubilosamente vencido,
Até respirar o júbilo maior da integração.
Agora, amada minha para sempre,
Nem olhar temos de ver nem ouvidos de captar
A melodia, a paisagem, a transparência da vida,
Perdidos que estamos na concha ultramarina de amar.
                                      (Carlos Drummond de Andrade)
.
.

                 Ser poeta
.
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
                          (Florbela Espanca)
.
.
O Artista Inconfessável.
Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre o fazer e não fazer mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer que é inútil:
nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo que ele é inútil,
e bem sabendo que é inútil e que seu sentido não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil do que não fazer,
e dificilmente se poderá dizer com mais desdém,
ou então dizer mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.
                                                          (João Cabral de Melo Neto)
.
.
                                                                       Não digas nada!

Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
(Fernando Pessoa)

" Leitura para compartilhar: Ruben Alves ''.

                                                            A complicada arte de ver
Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões _é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa _garrafa, prato, facão_ era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas _e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo. Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso _porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver_ eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

                                                                            Ruben Alves, 75, educador, escritor.
                                                                             Tutora Gestar II  Amirleni  .
                                                                              Nova Alvorada do Sul -  MS .
                              Quem é o professor de Língua Portuguesa?
Aquele que se preocupa coma a comunicação e com a clareza de idéias. Aquele que deseja preservar a língua, mas sabe que a mesma sofre constantes mudanças e ele como estudioso, não pode ficar para atrás, inerte numa estrutura estática que não condiz com a realidade de seus alunos. Esse é o professor de língua portuguesa. Um amante de sua literatura, mas também de todas as formas de comunicação que possam estar presentes em seu cotidiano e de seus alunos. Um amante de sua gramática, mas também da gramática interna de cada um e de suas estratégias para usá-la se comunicando. Resumindo, um conhecedor minucioso das normas cultas da língua e um apreciador curioso das variações da linguagem popular. Alguém que ensina seus alunos a compreenderem tudo o que se comunica usando a língua portuguesa e a se expressarem da melhor forma possível, de acordo com o contexto em que se inserem. 

Armadilhas da língua
 
   Você sabe o que é tautologia? É o termo usado para definir um dos vícios de linguagem. Consiste na repetição de uma ideia, de maneira viciada, com palavras diferentes, mas com o mesmo sentido.O exemplo clássico é o famoso 'subir para cima' ou o 'descer para baixo'.
 Mas há outros, como você pode ver na lista a seguir:

elo de ligação;
acabamento final;
certeza absoluta;
quantia exata;
nos dias 8, 9 e 10, inclusive;
juntamente com;
expressamente proibido;
em duas metades iguais;
sintomas indicativos;
há anos atrás;
vereador da cidade;
outra alternativa;
detalhes minuciosos;
a razão é porque;
anexo junto à carta;
de sua livre escolha;
superávit positivo;
todos foram unânimes;
conviver junto;
fato real;
encarar de frente;
multidão de pessoas;
amanhecer o dia;
criação nova;
retornar de novo;
empréstimo temporário;
surpresa inesperada;
escolha opcional;
planejar antecipadamente;
abertura inaugural;
continua a permanecer;
a última versão definitiva;
possivelmente poderá ocorrer;
comparecer em pessoa;
gritar bem alto;
propriedade característica;
demasiadamente excessivo;
a seu critério pessoal;
exceder em muito .

Note que todas essas repetições são dispensáveis. Por exemplo, 'surpresa inesperada'. Existe alguma surpresa esperada? É óbvio que não. Devemos evitar o uso das repetições desnecessárias. Fique atento às expressões que utiliza no seu dia-a-dia. Verifique se não está caindo nesta armadilha.
Princípios de textualidade
Coesão - palavras que se conectam permitindo a organização textual.

Coerência - encadeamento de idéias.

Intencionalidade - foco da informação.

Aceitabilidade
- aceitação por parte do leitor.

Situacionalidade - pertinência/relevância do texto ao contexto.

Informatividade - equilibrar a quantidade de informações.

Intertextualidade
- um texto constrói-se em cima do já dito.
Esse encontro resume muito do que já estudamos sobre os aspectos relevantes para trabalharmos na construção de textos com nossos alunos. Observando sempre esses elementos em seus textos e levando-os a perceberem de que forma incorporamos esse aprendizado na refacção de nossos textos e nos constituímos cidadãos letrados produtores de textos competentes no que se refere à comunicatividade.
Texto elaborado no encontro a partir da leitura de cordéis:
Resposta da muié aos homi
Vejam só que desaforo
desses homi falando d'eu
eles pensam que são tudo
mas eu sou muito mais eu
eles falam das muié
mas escutem meu conseio
é mior ficar quietinho
ou então se oiá no espelho
Tem homem pequeno ignorante
que acha que é o tal
e tem homem mole, mas grande
que só tem cara de mal
tem muito homi pançudo
precisano trabalhar
vai pro bar e bebe tudo
vai pra casa só cochilar
Mas tem homi intiligente
que sabe cuidar do que é seu
cuida dos fio e da gente
e namora igual um Romeu
é romântico e carente
que nem o marido meu.